
Surpreende-me o modo como a vida se dá. A maneira como ela se desdobra no decorrer do tempo. Se entrelaçando a outras. Construindo histórias.
Histórias... É na historicidade do homem que Deus se revela. É em meio ao tempo que a vida se faz, que a vida apreende, aprende, ensina. Foi num contexto como esse de tempo, histórias, vidas, revelação divina, ensinamento e aprendizado que dia desses, minha vida se entrelaçou com a de uma família, com a história dela e assim redigi um pouco mais da minha.
Um almoço. Uma família. Gente muito simples, muito acolhedora. Ao chegar chamou-me a atenção uma senhora que vinha caminhando pelo corredor, em minha direção. Dificuldade no andar. Porém, não lhe faltava o sorriso e a felicidade em seu olhar. Era a dona da casa. A mãe da família. Chegou até mim chamando-me Padre, e me pedindo a benção. Falei que ainda não o era, mas ela me olhou nos olhos e disse que já me via como tal. Pediu-me que sentasse. Ligou o radio, e somente depois da oração que ela e filha acompanham todo dia com grande devoção, voltou-se a mim e aos poucos foi me contando sua história. Relatou-me que ela e a família viveram durante 14 anos dentro de um ônibus abandonado. Em meio a muitas dificuldades, ela e o marido criaram sete filhos. O sonho: uma casa para poderem criar os filhos com mais conforto e dignidade, principalmente a segunda filha que é portadora de deficiência física. Pois bem. Em uma das gestações, disse-me ela, que uma “amiga” lhe ofereceu dinheiro para que ela comprasse um abortivo. Do desespero a aceitação. Porém, no caminho, algo a fez pensar, refletir e mudar de idéia. Não tinha o direito de matar, rejeitar uma benção.
Segurou em meu braço, e com os olhos cheios de lágrima, olhou nos meus e disse: Ta vendo essa casa aqui Padre? Pois é, foi esse meu filho que eu ia abortar quem me deu, e hoje, graças a Deus e a ele, minha família toda tem um teto. E ainda complementou: Eu sofri bastante, mas nunca roubei, nunca mendiguei nem me prostituí. Apenas trabalhei e hoje estamos aqui, vivos. E somos muito ricos. Não de dinheiro ou bens, mas ricos de felicidade, bênçãos e fé.
Eu simplesmente não consegui falar nada além de um: Graças a Deus. Nada mais precisava ser dito. Aquela voz, aquela história permaneceu em mim. Mais uma vez a grandeza de Deus se revela no paradoxo da pequenez, da simplicidade.
Nossas vidas, nossas histórias, ficam marcadas e podem até seguir outros rumos quando cruzam com outras. Fazem-nos crescer, ou nos fazem despertar, ou, quem sabe, sofrer, perecer. Cuidemos para que possamos construir vidas, marcar e escrever histórias. Colaborar com o crescimento, e não com o aniquilamento dessas. Fazer como aquela simples senhora, aquela simples família: deixar rastros de fé, de esperança, enfim, rastros de céu.
FREDERICO DANIEL